quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Minha máquina do mundo se abriu

Já não havia mais horas nos ponteiros do relógio.
O tempo, bailando sobre mim 
delineava um emaranhado de estradas,
de corpos
e de esquinas que não virei.
No final de todos os caminhos
(Inexplicavelmente unidos),
um Anjo me sorria contente
e um demônio timidamente também sorria.

Já não existiam mais janelas para se abrir,
portas para trancar
ou vontade para morrer - eu Era sem saber Ser.
Sufocando,
sufocado, perdi-me silêncio 
e desespero, 
eram tantos equívocos, tantas escolhas infundadas. 
O Anjo já não sorria mais.

Um pouco de chá para serenar,
um pouco de café... 
Há como serenar o silêncio? 
Ele controla, impõe 
e sufoca... 
Um comprimido para acalmar? 
Nada acalma e já não quero mais entorpecer.
Eu falo. 
Grito, grito bastante,  mas 
ninguém me escuta para além das paredes.
O demônio enxuga as próprias lágrimas.

O sono me chega, 
as horas continuam imóveis, mas 
o desespero se rende ao cansaço
e cansado,
procuro meu leito: vazio, apenas vazio.
No meio de tantos corpos,
no meio de tantas histórias,
como num livro de Clarice,
permaneço parado na porta esperando
- Anjo e demônio fitam o horizonte. 

Um raio de luz atravessa a cortina
e me encontra.  Desde quando? 
Chovia ainda agora,
era noite,
a profunda noite daqueles que sofrem.
Daqueles que enlouquecem no silêncio?
Anjo e demônio sorriam novamente...

Perdido, procurado os cantos da casa, 
me 
         i
         s
         o
         l
         o
Sou todo canto agora, 
nada de encanto
          nada 
                   de 
                        nada, 
nada além de mim... 
Sem anjos ou demônios.

O Sol invadiu meu apartamento, inundou meu corpo
e fez mover os ponteiros do relógio. 
A noite passou 
e nenhum corte encontrou meu pulso.
No espelho do armário percebi meu rosto,
não estava mais sozinho.


depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...