quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Uma carta sobre o Amor

Faço uso das palavras por não suportar os excessos,
transbordar em versos/prosas é meu jeito de manter a sanidade. Mas, 
por outro lado,
deixando esta suposta sanidade de lado, fundamental mesmo seria conseguir ultrapassar o papel
e,
assim,
ser capaz de utilizar as “letras e os espaços” para expressar aquilo que não é capaz de Ser:
estátuas sem mármores,
quadros sem tintas,
música sem som,
dança sem corpo
e Amor sem objeto amado.
Enquanto isso,
me dispo esperando ser atravessado pelo toque do impossível.

Impossível? Impossível é a sentença da minha vida,
é o termo que trago tatuado na pele e que,
por descuido, 
gravou minha alma.
Impossível fora nascer,
não desenvolver uma doença neurológica, praticar esportes, 
não ter problemas na fala. Impossível,
talvez, 
seria não amar
– sou, definitivamente, movido por uma força de me encontrar nos olhos do outro.

Não raramente me pego jogando dados com a vida, apostando alto. Viver sem “me colar” é um esforço, 
perco muitas partes minhas pelo caminho. 

Florescer Francisco é tão difícil quanto viver Veríssimo, nada parece bastar. 
Nada é exatamente a porção que gostaria de ter a meu respeito, talvez,
desta forma, 
fosse mais fácil exercer esta Ideia de liberdade que me acompanha.

Acredito na existência de um silêncio que seja anterior ao próprio silêncio, uma espécie de presença impossível de ser representada
e
que,
em momentos de profunda conexão,
transborda do olhar de quem se ama.

A escrita é o reflexo da fala, a fala é o produto do pensamento, o pensamento é aquilo que sobra do silêncio – subverter a ordem
e encontrar este silêncio primeiro é o objetivo maior que me impulsiona enquanto escritor.

No fundo,
depois de tudo,
talvez eu só queira escrever para entender o amor que me compõe em avos de silêncio.  

domingo, 25 de novembro de 2018

Resistiremos

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
(Carta a Stalingrado, Drummond) 
 

O céu estrelado ainda conta os feridos da última batalha,
faz frio em Stalingrado e é sempre noite na Cidade alta
Os passos dos soldados ecoam e singram o mar,
atravessado 
recomponho-me do desespero inicial - foi apenas um pesadelo?

Maldita cruz que nunca benze, que nunca basta. Aonde estás Cordeiro 
que não te revoltas pelo uso do teu nome?
Acima de tudo és Tu? Mas,
não foste tu a ceder a outra face? 
Não foste tu
que deixas-te jorrar teu sangue para que outros não o perdessem também?

Stalingrado ainda resiste, mas
não como história, não como vergonha pavorosa do ódio humano.
Stalingrado resiste em verde e amarelo
e avança sorrateiramente em tons de azul e branco.

Os telegramas não existem mais
e, tão pouco, podem nos dizer do futuro.
Por outro lado, sobre tuas memórias, 
grande cidade,
poetas irão compor a força para esta noite que durará quatro anos
- dure quantos quatros anos durar,
resistiremos.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Teu português errado é crime,
teu corpo ineficiente pena;
teu calo nas mãos é castigo,
teu nascimento sentença.

Teu prazer é xilindró,
teu fenótipo prisão,
teu sexo é notícia,
teu gênero opinião.

Teu viver é posse.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Um tempo para a alma triste

ao Amigo Marcos Tristão
Despede-se da batalha a alma combativa,
mergulha
no espaço e nas profundezas causticantes do pensamento
e em silêncio,
organiza cepas de conceitos
e costura (para os que ficam)
um futuro arrebatamento
- este instante que se destaca do tempo.

Então, hoje foste tu velho amigo
- como também foi
a grande alma da Índia que nos uniu em um café.

Tua filosofia ainda reside
e não morre,
não morrerá
– o pensamento maldito sempre fica,
se escondendo pelos cantos
e
encantos, feito voz que nunca cessa.

Tua sandália de couro é memória, mas
é também resistência,
é também referência para aqueles que não desistem
- apesar do cansaço destes dias de chumbo.



terça-feira, 27 de março de 2018

Um encontro com Lou

O último som de barca atravessa em direção ao rio de janeiro,
faz frio em Niterói
e
pouquíssimas pessoas andavam pelas ruas, menos ainda como nós – sem pressa, perspectiva ou querendo chegar. Era,
talvez,
a certeza de que aquela noite seria única. Algumas prédicas dão certo,
enquanto outras: 
se encerram numa noite cinza, numa voz cinza, com roupas cinzas, num quarto com ventilador quebrado.  

Não sei exatamente quanto tempo durou nosso trajeto, minutos talvez, mas
o restante daquela noite e, principalmente, a forma como me acolheu,
ainda ressoa por dentro .
Sabe,
voltar no tempo não é uma possibilidade, mas
já pensei (algumas vezes) que Deus poderia ser meu filho,
é tão triste pensar nisso
- você sabe do meu afeto por crianças.

Ainda ouço a chuva cair no Toldo, por isso nunca quis colocá-lo em nenhuma das minhas casas. Se me concentrar, sem exageros, ainda consigo ouvir o teu “canalha”, ainda,
depois
de
tanto
tempo.
Sinto que eu deveria ter escolhido outra estrada. Mas,
os caminhos do tempo não podem ser refeitos e, cedo ou tarde, é preciso seguir.

Seguir?
Como se fosse possível, não é mesmo? Estamos presos,
há sete anos estamos presos. Meus erros,
claro,
nos prenderam mais – eu sei. É tão difícil perceber isso...

Foi bom ter me visto em seus olhos, ainda hoje, depois de tanto tempo. Fico feliz que sua vida esteja seguindo e me arrependo de não ter tido força suficiente para estar ao teu lado.
Existe uma espécie de “doutrina do Medo” que, não raramente, controla todas as minhas ações.

Se Deus fosse meu filho, talvez não tivesse medo,
talvez
nossa história não acabasse. Mas,
haverá final para uma noite que não cabe no tempo? 

Não sei, não parece.

Sei que nossa "madeleine" tem sabor de terra molhada
e
que é bom demais te ver sorrindo com os olhos,
depois de sete anos.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Poema da desilusão amorosa

No espaço frio desta noite turva
açoites queimam minhas costas, 
ausência que atravessa o tempo
na cama desarrumada ao relento.

Teu vazio faz casa ao meu lado

e meu abraço já não te encontra;
ainda preso me reviro de passado
- apenas tua distância me afronta.

Augusta época de não-sofrimento

onde acriançado plantava abrigo.
Desilusão é a nota de meu intento
que se solidifica em vero castigo.

Então, vem com tua boca e inunda
este corpo fraco que já se curva
e que em cada ruga se lamenta
do silêncio anunciante da tormenta.

domingo, 7 de janeiro de 2018

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Poema póstumo

Morri, sem nenhuma preparação,
num belo alvorecer.
Não havia mais ontem
e nem amanhã,
apenas
a pena do eterno presente.

Devia ter dançado aquela última canção.

depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...