terça-feira, 19 de maio de 2020

O desespero e a náusea

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
(Drummond - A flor e a náusea)

Em vão procuro matérias sobre o futuro,
não há futuro. As ilusões
e os achismos
superfaturam
escolhas
e decidem vida-morte.

Em vão
marchamos?

Procuro os traços que organizam o presente, mas
não os encontro.
O erro insone vitima majoritariamente os postos na margem
e o futuro pendula no abismo.

Do planalto ressoam clarins,
loucuras apagam o verde flâmula
e partilham o assombro. O medo grita,
gritamos todos,
mas
e daí? Todos também morrem.

Estanho é vida
e
entranha na veia,
entranha
e decide morte-vida.

Dezessete vezes as mãos reescrevem o passado,
dezessete vezes
pesa sobre a pena o terço de um tempo enlouquecido
- escrevo liberdade e tolamente lê-se vermelho.

Nenhuma flor varou a madrugada
ou o chão de concreto da grande cidade.
Florestas
queimam frente a ignorância e a planície terrena.
Astrólogos mentem,
juízes perjuram,
generais aplaudem
e o capitão realiza a gestão do medo.

A terra de meu País braseia, mas
é do sangue que colore as ruas.
Sem estrelas no céu
e sem vida nos bosques,
o "mais amores" transformou-se em ódio.
Dezessete vezes
ódio e mentira, ódio e mentira, ódio e mentira.
Sufoco.

Nenhuma flor perfura o solo,
não adianta regar o concreto
o duro concreto de quatro anos.

Nenhuma
flor
nasceu
após
o
último
enterro.

Aceitar o vazio
e o desespero
é a única forma de reconhecer-se no espelho.

Esperar não é uma opção,
no fundo do poço só resta subir.


quarta-feira, 13 de maio de 2020

Dos vivos sem vitória

Vossa mercê 
sentava em tronos;
era uma pessoa única, mas
com o tempo
ganhou as ruas.

Vossemercê, 
os de posição mediana
que,
apesar de não serem qualquer um,
poderia caber à todos.

Vosmecê,
por sua vez, não tinha autoridade nenhuma;
contraiu-se
e,
no tempo,
virou o outro “vosmicê”.

Você 
veio para substituir o nome próprio,
qualquer nome
de pessoa-qualquer;

VC 
é frio,
grafia internetizada,
marca da pós-modernidade
e de sua velocidade
e distância.

V” 
é a escolha singular
e intuitivamente simbólica, performática.
“V”, aposto, 
será a nova saudação – deste Brasil pós-pandemia.
“V” serão todos, indistintamente.
“V” não será apenas a nova contração vocabular, mas
também a lembrança de um tempo.

Seremos "V",
os “V-ivos” sem “V-itória,

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Crônica de uma vida isolada

Hoje o dia não termina;
de nada adianta dormir,
mexer no celular
ou procurar um filme para assistir.
A hora ficou presa
e o tempo confunde o ontem com o amanhã.

Tenho vontade de sair,
somente sair,
respirar fundo
enquanto tomo uma cerveja gelada
vendo o Sol se pôr
vendo o Sol nascer.

Sempre quero viver uma vida que não posso, mas
ela nunca pareceu tão impossível.
Quero os passos da rua, os caminhos e as vielas
- do lado de dentro: medo.
Sinto o peso do ar no próprio corpo,
a tensão
e a angústia de um Futuro que não chega.

Quero ficar quieto, mas não consigo
Quero falar, mas não tenho palavras.
Está difícil, 
nada parece bastar. Chorar não é a saída,
por isso,
finjo equilíbrio entre livros que não leio
e músicas que não escuto.

Serei Eu novamente?
Sou apenas avesso. 








sábado, 2 de maio de 2020

Severinos

Severino tem voz, mas
não tem máscara
ou o centavo sobrando
para, descobrindo o futuro, 
comprar Vida
e a morte negar.

Ele que não tem poupança
e mais nada além dos calos,
como poderia,
feito os moços sabido
abandonar o roçado
para ter ciência de tudo aquilo?

Ele, que não tem fiança, 
vive preso ao anonimato
dos dias sobressaltados
e ao Capitão que graceja
por não entender a sutileza
que existe vida na pobreza.  

Severino tem fala, mas
ela não ressoa Planalto;
central não é tuas andanças,
tua penúria ou aspereza 
- 600 vezes dinheiro
é o pouco que valhe na Mesa.

depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...