quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Outra vez a fome

Outra vez atravesso em tua boca o frio da noite.
Outra vez teus braços tocam meu espírito
e marcam minhas costas.

Passeio com minhas mãos pelo seu corpo
e deslizo por cada ímpeto de curva...

Acarinho levemente teus mamilos,
seguro teus cabelos,
me guio no sabor do ventre
- que visito profundamente,
até não caber mais de mim.

Encontro sua nuca,
deixo marcas em teu pescoço
e arrepio em tuas costas.
Teu gemido perde-se num tempo qualquer.

Extasiado sorrimos
- a fome de querer nos assola.




Um pouco de mundo

Um pouco de tudo é negação,
outro pouco é prece
e espera
de um mundo sempre a esperar.

Um pouco da vida é guerra,
vestígios da fera,
a espera do motivo santo
ou nem tanto
- vertiginoso pranto de Marília sem Dirceu.

Em vão discuto os meus,
os seus
e o após.

Um pouco de tudo é esperança,
maldita criança que nunca cresce
e que se esquece por isso
que outro pouco
é agonia,
desprezo,
angústia: tragédia a acontecer.

Um pouco do mundo é desistência,
um pouco é estrada
e tempo presente
- postado nas mãos e saturado na retina.

Um pouco do mundo me fez
e outro pouco eu faço acontecer.


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Minha máquina do mundo se abriu

Já não havia mais horas nos ponteiros do relógio.
O tempo, bailando sobre mim 
delineava um emaranhado de estradas,
de corpos
e de esquinas que não virei.
No final de todos os caminhos
(Inexplicavelmente unidos),
um Anjo me sorria contente
e um demônio timidamente também sorria.

Já não existiam mais janelas para se abrir,
portas para trancar
ou vontade para morrer - eu Era sem saber Ser.
Sufocando,
sufocado, perdi-me silêncio 
e desespero, 
eram tantos equívocos, tantas escolhas infundadas. 
O Anjo já não sorria mais.

Um pouco de chá para serenar,
um pouco de café... 
Há como serenar o silêncio? 
Ele controla, impõe 
e sufoca... 
Um comprimido para acalmar? 
Nada acalma e já não quero mais entorpecer.
Eu falo. 
Grito, grito bastante,  mas 
ninguém me escuta para além das paredes.
O demônio enxuga as próprias lágrimas.

O sono me chega, 
as horas continuam imóveis, mas 
o desespero se rende ao cansaço
e cansado,
procuro meu leito: vazio, apenas vazio.
No meio de tantos corpos,
no meio de tantas histórias,
como num livro de Clarice,
permaneço parado na porta esperando
- Anjo e demônio fitam o horizonte. 

Um raio de luz atravessa a cortina
e me encontra.  Desde quando? 
Chovia ainda agora,
era noite,
a profunda noite daqueles que sofrem.
Daqueles que enlouquecem no silêncio?
Anjo e demônio sorriam novamente...

Perdido, procurado os cantos da casa, 
me 
         i
         s
         o
         l
         o
Sou todo canto agora, 
nada de encanto
          nada 
                   de 
                        nada, 
nada além de mim... 
Sem anjos ou demônios.

O Sol invadiu meu apartamento, inundou meu corpo
e fez mover os ponteiros do relógio. 
A noite passou 
e nenhum corte encontrou meu pulso.
No espelho do armário percebi meu rosto,
não estava mais sozinho.


sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Saudade infinita

O poema prometido tem sabor de Passado,
de tempo passado, de história passada 
- sem passos,
apenas e s p a ç o.
 Parece confuso? Sempre foi... não?

Tua jaqueta de couro
combina com a minha pele,
perfeita junção manifesta.
Como perfeita, alias,
ficou minha camisa rosa em teu corpo
também rosa,
também suave...

Não pedi teu futuro
ou aspirações,
tão pouco tua alma pedi.
Implorei-te apenas um beijo, 
quis teu hálito
e depois... Talvez,
quem sabe,
fosse apenas a esperança 
de te ver ceder e me aquecer 
- Fazer o tempo parar?

Tudo mudou, não nego.  Nego 
apenas 
que não desejo
que não te quero
que não te espero. Mas, 
porque me negas? 

Meu silêncio já não te encontra mais
e teus olhos castanhos não encontram os meus.

Estou só, preso numa noite que não aconteceu.
E você, 
será que existe para além destes versos?

Cansado, 
agora 
anseio apenas o dia
em que sentirás meu beijo te encontrar,
feito brisa suave e saudade infinita.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Um poema sobre a dama do mundo

Eu ainda caminho, depois
e depois... 
Já não sinto meus pés 
e meus passos também já não encontro
- sou todo horizonte.

Teu quarto
                 é
                    apenas 
                                Lembrança.
Será esperança?

Ainda gosto de ouvir o som da chuva batendo no toldo.
Eu era o Toldo?
Você era a Chuva?
Maldita mania de não se abrir,
de se entregar apenas aos versos.
Já não tenho mais metáforas para decifrar,
apenas o frio de uma noite
                      e um desejo infinito.

Teus pelos castanhos,
tua pele marfim,
o jeito que seu corpo mergulhava no meu. 

Ninguém jamais me olhou como você, 
Ninguém jamais me olhou,
ninguém... 

Escolhi o certo, fui correto, mas
Deus sabe quantas vezes desejei você.
te amei na distância,
             no vazio,
             na saudade que jamais soube apascentar.

Submerso no tempo,
em retalhos
do nosso primeiro instante,
"nos nous aimions
le temps d'une chanson". 

depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...