segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Carta ao Poeta

Sempre me pego tentando ser o melhor que posso, mesmo tendo a pré-ciência que nada será suficiente;
por vezes tenho a impressão que sigo numa estrada que jamais terá fim, mas
isso não incomoda. Acostumado com o caminho,
projeto meus dias estacionado no “limite” das minhas possibilidades:
como amigo,
como homem,
como pessoa,
como parceiro.

Não combino as letras pela pretensa angústia que me acompanha, tão pouco “depressiono” os traços do meu horizonte (Severo horizonte),
na expectativa de dar sentido a dor que sinto
e,
com isso,
tornar-se algo para além de poeira das estrelas.
 
Reconheço os meandros revolucionários da Escrita, 
de como Shakespeare recriou o humano
e
como Clarice (armada de seu silêncio)
teorizou sobre as nossas formas de aprendizagem. Mas, 
meu texto nunca teve este Oceano de ambição. Minha “máquina literária” não diz do mundo
e da Tabacaria apenas o Café me acompanha. 

Escrevo para esquecer,
por não suportar-me. Escrevo, 
por não ter coragem suficiente para gritar, mas
ainda 
a frágil necessidade de ser ouvido.

O Amor não “resulta inútil”,
O Amor não resulta nada.

Sempre tive medo da morte, mas
hoje me aqueço na generosidade do esquecimento. 
Desintegrar-se 
é o destino de tudo, de todas as coisas,
assim como esta carta,
assim como o instante fortuito que serenamente torna-se ilusão.

A sensação de eternidade é uma Tola aspiração que oscila ante o Abismo da existência. Encarar o Nada,
foi a forma que encontrei para seguir
– o encantamento da vida é a certeza de sua finitude.

O amor não "é coisa de maduro". 
O amor não é coisa. 

Há uma beleza infinita no acaso e na combinação aleatória de átomos
que se transformam em corpos
que se transformam em gente
que se enamora fortuitamente
que se sente agraciado pelo toque inesperado do objeto Amado.

Para além dos versos, para além das coisas fugidias, 
tessitura apenas o Amor – em sua inigualável combinação química, justificando todos os esforços
a espessa tentativa de ser Melhor.

Ter a pretensão de “tornar-se poeta” é uma vaidade que me permito, mas 
que 
abandono
logo
após
o
poema.

Não existe poeta para além dos versos,
respiro apenas enquanto lido. 

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depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...