domingo, 2 de agosto de 2020

Do Amor

I

"Que se espere. Não o fim do silêncio, mas o auxílio bendito de um terceiro elemento: a luz da aurora” 
(LISPECTOR, O livro dos prazeres)
 

A solidão do meu passado se esquiva,
se esguia
e, com algum esforço,
encontra a solidão do teu passado.

Todo peso da idade me afasta da espera,
mas continuo. Silenciosamente continuo
e aguardo,
procuro desafogar-me
para não inundá-la com meu amor.

O tempo do beijo não passou,
o tempo do nosso Tempo não passa jamais.
Ainda úmido pela tua boca,
ainda quente pelos teus olhos,
procuro os limites do meu corpo no teu
(ainda que distante,
ainda que distância
ainda que falta).

Dobro-me em poesia na ânsia de te compor para além dos sonhos.
Tenho medo de vê-la partir, de-fi-ni-ti-va-men-te.

Medo bobo
de ter teu corpo se desfazendo em injúrias
e distrações,
de ter teu corpo escapando pelos meus dedos.

O vento da noite atravessou a janela,
faz frio,
uma música me lembra você.


II

"Há uma maçonaria do silêncio que consistem em não falar dele e de adorá-lo sem palavras”
(LISPECTOR, O livro dos prazeres)

 
A solidão do teu passado me envolve
e
definitivamente
a f a s t a (sem cuidado algum)
a solidão que tentei dividir.

É preciso coragem para
vivenciar 

o sagrado momento do instante infinito,
o sagrado momento do silêncio
e de sua maçonaria.

O poema-inútil, o medo-inútil,
a inútil esperança que sinto
retoca as cores de um beijo que não existe mais. 

Inundado de espera, teu olhar,
repete o mesmo terço reticente:
o silêncio-vazio do não,
o silêncio-vazio do quarto,

o silêncio-vazio sem marcas.

De nada adianta dobrar-me,
este é um reino do "nós". 


Escrevo
sem
te
alcançar.

O vento da noite atravessa a janela,
faz frio,
uma música...

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depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...