segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Resposta

As coisas que passam redigem - no tempo e no espaço - o resultado da vida que não vivemos
que não soubemos escolher. A cada esquina virada, a cada café sortido, a cada promessa não cumprida,
apaga-se 
imediatamente
a possibilidade de um caminho que nunca chegou a ser criado. Não,
não
somos apenas o resultado daquilo que foi experenciado, mas também 
uma porção significativa daquilo que escolhemos deixar para trás. Viver não é tecer o próprio caminho, mas
aceitar 
o trajeto construído quando se rejeita as estradas que se abrem a cada passo dado 
e, por isso, 
todo "aprendizado" 
é 
tese acabada de um resultado fortuito
que não poderia ter sido outro
que nunca poderá ser outro
que só poderia ter sido outro se fôssemos outro também.

Não existe beleza nas coisas que nunca foram. 
Nunca é signo vazio, mundanidade pura. Prefiro 
as infinitas possibilidades do tempo que ainda tenho 
ao 
manso regaço dos tempos de outrora e suas lembranças embaçadas. 
Somo infinitos, mas 
apenas quando mantemos o desejo aceso, a chama acesa, o verso que acende
negamos a lembrança que apaga a vontade de Vida. 
 
Aceitar meu passado não me obriga adorá-lo
ou 
esculpir uma beleza que ele não possui.

O amor não é um lago, suas águas não esperam paradas 
e continuaram paradas quando sairmos dele.
O amor é um Oceano, 
interferido pela presença dos amantes 
- até que seus corpos se confundam com sua ausência de limites. 
 
O amor 
é um Oceano
que espera ser desbravado
por erros-certezas-ausências-desculpas-coragem
ou 
medo.

As coisas que passam não me ensinam nada além de passar, mas 
eu não passo.
 
Prefiro não passar. Prefiro 
ter 
exata 
ciência 
do 
passo 
após 
outro 
passo. 

Prefiro ter nas mãos a mudança que quero 
e reconheço a vida como aliada, não juíza. 
 
Prefiro manter-me infinito (até não poder mais).

sábado, 22 de janeiro de 2022

Uma carta sobre a Espera

O sono que chega não me atravessa
e rememorando
d e d i l h o
em 
tons 
de 
distância
voz que sempre esteve. 
Eras tu?
 
O tempo da espera é apenas espera,
espera que nunca chega
sobre teu corpo tenro
sobre tua voz serena
sobre teu abraço quente
sobre tua boca que...
 
Meu desejo esposa outro passado
e hoje
reconheço
a única paz possível. Tanto engano, 
será que ainda me engano?

O tempo da Espera nunca chega, 
nunca ... 

Temi
o corpo rejeitado frente a sua quase-beleza
que nunca é quase
que sempre é tanta
que sempre é transbordo.
Incompleto frases que sempre digo
e
que você sempre quase-não-escuta, 
só olha... 
sempre só você olha,
sempre só você está. 
 
Incompleto corpo, queria outro, exijo outro
– um tanto mais melódico, 
mais feminino, mais 
e
s
g
u
i
o.

Incompleto, 
observo a tessitura dos silêncios que te compuresam em prisão 
e
agora 
destilam Liberdade. 
Silêncio-deus?

Incompleto, 
observo 
o gosto que se manifesta
o corpo-outro que ainda é o mesmo
e o teu jeito sempre correto.

Incompleto, 
permaneço, 
na cama sem toque
nos braços sem carícia
no tempo sem preferência
no amor sem desejo.

O tempo da espera não existe,
o tempo da nossa espera 
nunca existiu. 

Eu não sabia,
você sempre foi sem nunca ser.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Réquiem em Libra

I

Tão pouco... tão pouco de mim ainda resta
e,
sem a maquiagem,
nem me reconheço mais nos vincos que marcam meu rosto. Hoje é um tempo que não passa,
hoje foi o ontem que você não veio... é sempre hoje no texto que declamo
ou na ideia fixa que me acorda. Antes, 
por outro lado, 
nunca é um tempo melhor:
antes é espaço sem vida
antes é projeção 
antes nem é... Lembrar é um movimento que me domina, quase
involuntário, 
discutir em análise é uma saída - se perdoar, talvez - mas nenhum destes caminhos pode ser resposta - resposta prescinde compreensão e, por mais que eu as queira, 
todas ela ficaram com você. Impossível, aliás, seria não ficar com você, com você. Tão pouco
e todo pouco de mim
ainda revivi a trilha que subi agradecido, trilha que 
não aprendi a desbravar e nunca mais achei o caminho. Amor cabe em si mesmo, amar não - sou refém de um substantivo.  

II

Fomos fim antes do começo e planos antes das realizações,
invertemos
e, 
quem sabe, 
talvez a distância tenha sido a única coisa nos sobrou. Eu sempre serei eu, mas 
jamais serei o Eu que fui naquele único dia. Rezar não adianta
também não é preciso - nada é preciso. Nem toda distância é fim de caminho. Andarilho,
projeto-me por cidades que desconheço 
e horizontes que já nem sei mais como colorir - só sigo. Nem toda distância cabe em algumas distâncias, parece
que algumas sempre estiveram 
que algumas sempre estarão
que algumas se espremem entre os corpos que juram "amor à...". Depois
nunca é 
- o beijo perdido resseca com o tempo. Escolhas também ressecam o tempo. Somos jovens até não sermos mais.

III

Bendito seja o que tempo
que nunca chega
que nunca termina
que nunca aprisiona
que nunca deixa claro aquilo que sempre esteve implícito. Amanhã é terço, mas também solidão
e, inconscientemente, alimento a ideia de te ver sobrevoando uma vida que nunca vivemos
um espaço que nunca ocupamos. Longa é a estrada, longa foi a estrada
e
tão mais longa será até... Todos perecem um dia, independentemente das escolhas, 
todos, 
inevitavelmente, 
retornam ao lugar que nunca estiveram. Amanhace na Serra, amanhace no Sertão, 
amanhece
e toda parte de mim procura uma outra parte tua
ainda que só por delicadeza
ainda que só por coragem
ainda que perdida
ainda que a espera da decisão perfeita (no tempo perfeito, na fala perfeita, no mundo perfeito). Zéfiro visitou-me mais uma vez com o teu cheio, era noite
e fez frio - apesar do calor. Agora ontem é tão pouco. Restou tão pouco
que apenas uma noite ficou e 
com ela 
a prova 
que
não é 
preciso 
lutar pelo amor. 


     
 
 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Do acaso

O terço-guia, que descreio, que descremos, é o mesmo verso-acaso que se veste (se investe) 
e que contra nós e apesar de nós, em torno nós, 
agiliza 
o nó-encontro
o nó-estrada
o nó-espera
o nó que desenha nas roupas 
e que desenha em teus mundos
e que desenha
o teu olhar-afago e o teu desejo-abraço.

O terço-guia, que descremos, que queremos, é o mesmo
verso-plano 
que se fez vontade, que se faz vontade, que só aumenta 
nos enfrenta, nos aquece, nos espera até o raiar do dia
da conversa boba
do sorriso bobo
dos livros divididos.

O terço-guia, que queremos, que nos é amigo, é o mesmo  verso-tempo, que 
se desdobrou, que se pendulou, 
que venceu o duro concreto da descrença, o duro concreto do não,
que 
agora é todo espera
do beijo-encontro 
da vida-sonho
do repentino amor. 






 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Da hospitalidade

                                            "a língua materna já é uma língua do outro"
                                                                   (DERRIDA, p. 79, 20021)*


O corpo,
tão refém das estradas
e tão passeio de solidão,
já não é um corpo - é para além dos espaços,
dos textos
dos beijos
da guerra
- um corpo só o é em relação infinita.

Nenhuma voz. 
De mim 
ressoa apenas as histórias gravadas pelo silêncio.
Eu sou
quem as ouve
quem as vive
como este poema - que não é somente texto, mas
também lembrança e futuro.

Meus passos encontram outros passos,
outros "Outros"
e os acolho para além de mim, sem poder.
 
Minha
estrada jamais foi minha,
ela é do outro
e do outro que também sou para mim.

Se no espelho "não-sou",
então,
como acolher quem é?

Em vão percorro,
em vão descaso,
em vão reflito,
em vão assinto.

Há um tempo para o Outro 
e eu não sei até onde consigo ir...

depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...