segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Réquiem em Libra

I

Tão pouco... tão pouco de mim ainda resta
e,
sem a maquiagem,
nem me reconheço mais nos vincos que marcam meu rosto. Hoje é um tempo que não passa,
hoje foi o ontem que você não veio... é sempre hoje no texto que declamo
ou na ideia fixa que me acorda. Antes, 
por outro lado, 
nunca é um tempo melhor:
antes é espaço sem vida
antes é projeção 
antes nem é... Lembrar é um movimento que me domina, quase
involuntário, 
discutir em análise é uma saída - se perdoar, talvez - mas nenhum destes caminhos pode ser resposta - resposta prescinde compreensão e, por mais que eu as queira, 
todas ela ficaram com você. Impossível, aliás, seria não ficar com você, com você. Tão pouco
e todo pouco de mim
ainda revivi a trilha que subi agradecido, trilha que 
não aprendi a desbravar e nunca mais achei o caminho. Amor cabe em si mesmo, amar não - sou refém de um substantivo.  

II

Fomos fim antes do começo e planos antes das realizações,
invertemos
e, 
quem sabe, 
talvez a distância tenha sido a única coisa nos sobrou. Eu sempre serei eu, mas 
jamais serei o Eu que fui naquele único dia. Rezar não adianta
também não é preciso - nada é preciso. Nem toda distância é fim de caminho. Andarilho,
projeto-me por cidades que desconheço 
e horizontes que já nem sei mais como colorir - só sigo. Nem toda distância cabe em algumas distâncias, parece
que algumas sempre estiveram 
que algumas sempre estarão
que algumas se espremem entre os corpos que juram "amor à...". Depois
nunca é 
- o beijo perdido resseca com o tempo. Escolhas também ressecam o tempo. Somos jovens até não sermos mais.

III

Bendito seja o que tempo
que nunca chega
que nunca termina
que nunca aprisiona
que nunca deixa claro aquilo que sempre esteve implícito. Amanhã é terço, mas também solidão
e, inconscientemente, alimento a ideia de te ver sobrevoando uma vida que nunca vivemos
um espaço que nunca ocupamos. Longa é a estrada, longa foi a estrada
e
tão mais longa será até... Todos perecem um dia, independentemente das escolhas, 
todos, 
inevitavelmente, 
retornam ao lugar que nunca estiveram. Amanhace na Serra, amanhace no Sertão, 
amanhece
e toda parte de mim procura uma outra parte tua
ainda que só por delicadeza
ainda que só por coragem
ainda que perdida
ainda que a espera da decisão perfeita (no tempo perfeito, na fala perfeita, no mundo perfeito). Zéfiro visitou-me mais uma vez com o teu cheio, era noite
e fez frio - apesar do calor. Agora ontem é tão pouco. Restou tão pouco
que apenas uma noite ficou e 
com ela 
a prova 
que
não é 
preciso 
lutar pelo amor. 


     
 
 

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depois  sem  dispôs, não-tempo;  passos  sem  paço, não-espaços; ví-vida...